As possibilidades do infinito

O mundo é cheio de impossibilidades, dois caminhos paralelos se encontram no infinito. Assim começava a fórmula com a qual buscava explicar porque a felicidade nunca pode ser completa. Cláudia entrava em sua vida em singularidades do universo, ou de um conjunto infinito de universos. Uma janela eventual permitia que um universo brevemente encontrasse seu paralelo, e nestes momentos estava Cláudia.

"Posso sentar-me aqui?". Ele já havia espalhado suas coisas pelas quatro poltronas da fileira central do Airbus que ia quase vazio para Frankfurt, onde esperava poder espichar-se durante as onze horas de viagem. "A fileira 30 é a melhor para assistir ao filme.", disse Cláudia já ajudando-o a arrumar suas coisas sem dar-lhe tempo para pensar. "Quando terminar o filme volto para o meu lugar e podes te acomodar melhor". Só que agora ele já havia sentido o seu perfume, e seu desejo era que o filme não tivesse fim.

Cláudia, como ele, já assistira inúmeras vezes à "Quatro Casamentos e um Funeral". Haviam saído com a idéia do "Festival de Filmes Repetidos" para que eternamente celebrassem a memória do primeiro encontro acidental, na viagem para Frankfurt. Cláudia cochichava em seu ouvido a cena seguinte: "Presta atenção agora! É quando ela vai dizer que ele vai ter que se casar com ela...", como se ele já não soubesse. Abraçados no cinema eram mais um casal entre os tantos naquela nova cidade que o destino lhes havia reservado.

O "eu-te-amo" saiu fácil e foi correspondido, ainda que nenhum dos dois lembre quem disse o primeiro. Saiu da alma, antes que dos corpos, o primeiro "eu-te-amo", antes mesmo que as bocas se encontrassem, quase que por um descuido programado, durante "A Bela e a Fera", da Disney.

O mundo era outro no abraço de Cláudia. O tempo era eterno e o amor sempre novo. Os universos todos equilibravam suas energias naquele momento em que seus caminhos paralelos se encontravam. Com Cláudia havia descoberto um improvável infinito matemático, que ela destruía com a mesma facilidade que criava.

O "eu-te-amo" transformou-se em "acabou" num velho cinema de Amsterdan, ou São Paulo. Já faz tempo... Cometeram o pecado de tentar driblar o acaso para assistir "Summer of 42" (acho que foi Amsterdan), o filme preferido dos dois. Não deixaram acontecer: planejaram. Talvez soubessem, ainda que inconscientemente, que sua missão de equilibrar os universos um dia chegaria ao fim. Cláudia cochichou ao seu ouvido: "Ele ainda não sabe que ela recebeu a carta que tanto temia...". Foi São Paulo, com certeza. Em Amsterdan o lanterninha não teria se importado. As pessoas deviam aplaudir e não reclamar quando o amor quer ultrapassar os limites.

O destino seguiu seu rumo. Ele encontrou Cláudia em outras rotas, mas nunca mais os universos paralelos se encontraram numa singularidade. Ele sentiu que tudo era passado num vôo para San Francisco. Cláudia, ao seu lado, assistia a um filme diferente. Fred Astaire nunca dançou com tanta tristeza em "Desfile de Páscoa" e "Top Hat". Ambos conheciam o fim, mas ele ainda disse "eu-te-amo", sem saber o que esperar como resposta.

Publicado originalmente no portal Leia Livro.



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