Eric Raymond, Armas, Linux e Microsoft

"Nós precisamos aceitar alguns fatos duros sobre usuários de computador, principalmente os mais novos. Eles querem serviços como iTunes, YouTube e Windows Media funcionando em seus navegadores, e eles irão dispensar como uma piada qualquer sistema operacional que não dê suporte a eles.", disse Eric Raymond em recente entrevista exclusiva para o pessoal bacana do InfomediaTV.

Não concordo em tudo com o Eric Raymond. Especialmente não concordo com sua posição com relação a armas. No que diz respeito a Open Source, porém, o Eric mata a pau! Eu sempre recomendo um ensaio do Eric escrito em 1997, "A Catedral e o Bazar", no qual ele explica a lógica existente na suposta anarquia do desenvolvimento do Linux. Este ensaio de Eric foi tão importante que influenciou a Netscape a abrir o código de seu navegador em 1998, dando início ao projeto Mozilla. No mesmo ano, Eric e mais uma turma de ativistas pelo software livre criaram a OSI, Open Source Initiative com o intuito de, entre outras coisas, acabar com a confusão da dualidade do significado da palavra "Free" em inglês, que ao mesmo tempo significa "livre" e "grátis" e forçava aos defensores do software livre a sempre explicar que, neste caso, estavam falando de "Free as in Freedom" (livre como liberdade) e não de "Free as in Free Beer" (livre como cerveja de graça). Estranhamente, mesmo tendo na língua portuguesa uma palavra para "grátis" e outra para "livre", importamos a confusão. Vai entender.

Mas o Eric é assim: pragmático. Ao acabar com a confusão semântica, o software de código aberto passou a ser mais aceito pelas corporações. Quem imaginaria lá em 1998 que a Microsoft teria hoje licenças que seguem as propostas da OSI? Mais adiante, diz Eric em sua entrevista ao InfomediaTV, sobre as iniciativas da Microsoft com código aberto: "Eu digo que nós devemos aproveitar todas as oportunidades, mas nunca, nunca confie nas promessas deles."

Concordo com a primeira parte desta declaração: devemos aproveitar todas as oportunidades. Sobre confiar em promessas ou não, acho que não é o caso. Uso com freqüência o exemplo das receitas ao falar sobre software livre. Podemos fazer um chá ou uma limonada em casa, ensinar a qualquer um como se faz isto e permitir que cada um aprimore seu chá ou limonada adicionando baunilha, cravo, canela, o que for. Podemos também beber uma Coca-Cola, que tem uma receita que jamais vamos conhecer. Quando bebemos a Coca-Cola estamos, conscientes disto ou não, confiando na empresa fornecedora.

Tenho com a minha empresa de consultoria um projeto com a Microsoft. Sou o responsável pela linha Open Source de um projeto que visa o desenvolvimento de código aberto e a criação de cases de interoperabilidade entre a plataforma Microsoft e ambientes baseados em Linux, desde o uso de documentos em padrões abertos até o uso de cluster de alta capacidade de processamento construídos com ambientes mistos. Um primeiro anúncio deste projeto, que envolve também a Unicamp, saiu recentemente na imprensa. Ainda que esteja no começo, parte deste projeto está visível no Codeplex, o repositório de projetos em código aberto mantido pela Microsoft. Não vamos aproveitar o que a maior empresa de software disponibiliza em código aberto? Esta, além de ser uma oportunidade única, representa um momento histórico que mostra o quanto a comunidade de desenvolvimento de software livre mudou o mercado a ponto de gerar iniciativas como estas na Microsoft. A confiança, como sempre no mundo corporativo, é estabelecida através de contratos de serviços que, em muitos casos, são mais detalhados e estabelecem mais compromissos entre as partes do que as licenças de software.

Voltamos ao começo deste artigo: usuários querem que seus navegadores sejam capazes de abrir tudo. Estendendo um pouco mais, empresas querem que seus sistemas atendam às suas necessidades e preservem o investimento já feito em seu legado. Num artigo anterior aqui no Dicas-L falei sobre a ampliação de negócios com software livre no mundo proprietário. Se podemos ampliar o alcance do software livre, da tecnologia livre, da liberdade do conhecimento, creio que temos o dever de fazê-lo. Será que não conseguimos fazer melhor isto através do diálogo, da abertura e da interoperabilidade do que com posturas radicais? Há a verdadeira liberdade sem a disposição ao diálogo?

Artigo produzido para o Dicas-L



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