Educação e Tecnologia - Construção e Memória

Passei a semana entre o natal e a virada do ano com minha mulher e minhas filhas. É cada vez mais raro estarmos juntos por longos períodos de tempo em função de trabalhos, aulas e tudo o mais e, também por isso, valorizamos muito todo o tempo que temos juntos. Acho que é comum, em qualquer reunião familiar, recordar os "velhos tempos". Um dos assuntos nestes dias foi a forma pela qual eu e minha mulher buscamos educar nossas meninas.

A Meire começou sua carreira profissional como professora, chegou a estudar e praticar o método Montessori, depois formou-se em jornalismo. Mas sempre, entre uma atividade e outra, encontrou um tempinho para dar aula. Minha formação inicial foi mais para o lado das exatas, fiz o curso técnico de eletrônica, semestres de Física na USP e na UFRGS e depois um emaranhado de outros cursos sem terminar nenhum. Nestes dias fiz a conta: são treze semestres em cursos de graduação sem a graduação. Cheguei a fazer uma cadeira de Psicologia na Educação e até dei aula em cursos de extensão: sempre alguma coisa voltada a software livre. Ah! E sou filho de uma professora, a dona Ione.

No acompanhamento escolar das meninas eu e a Meire nos dividíamos, mais ou menos, entre humanas e exatas. Mais ou menos porque, na falta de um, o outro cobria o que fosse necessário. Nunca fomos uma família rica e nem nos preocupamos em ser, mas o que buscamos dar às meninas foi sempre acesso à leitura, a computadores e, claro, sua conexão às redes. Nosso primeiro computador doméstico, um MSX, chegou em casa em 1988, com a Natália pequena e ainda antes da Aline e da Ana Luiza chegarem. Todas elas alfabetizaram-se com o computador do lado. A Natália já participava, recém alfabetizada, em 1992, do espaço "Turma da Mônica" da BBS Canal Vip. Por essas e outras acho risível a associação, hoje, entre o uso de redes sociais e o mau desempenho escolar.

Uma das técnicas que eu usava para ensinar as meninas com problemas de matemática, por exemplo, era sempre pedir que elas começassem a detalhar um problema em uma folha em branco, escrevendo com letras grandes e também, quando era o caso, fazendo gráficos grandes. Como sempre trabalhei com informática e minha mulher com comunicação, folhas usadas apenas de um lado eram, comumente, recicladas em casa nos rascunhos das meninas. Uma das razões pelas quais eu pedia que reescrevessem e redesenhassem os problemas era a de que, enquanto acompanhava o processo, eu mesmo tinha tempo para escarafunchar minha memória atrás da lembrança de como resolver uma equação logarítmica, um cálculo de velocidade em um movimento acelerado ou o volume de um sólido. Mas o fato é que, enquanto escreviam ou representavam graficamente um problema, as perguntas que eu fazia já levavam as meninas a uma solução com quase nenhuma interferência minha. Sempre fui partidário de que toda a solução fica mais fácil quando o problema é plenamente compreendido.

Por coincidência, destino ou sincronicidade (prefiro este último) eu pesquisava sobre ferramentas simples para implementar bases de conhecimento, cheguei no PiggyDB e em um artigo muito interessante sobre a teoria de mapas conceituais. O artigo (escrito por Joseph D. Novak e Alberto J. Cañas) é extenso e não é minha intenção resumi-lo aqui, mas dentre outras coisas ele contrapõe a memorização à aprendizagem significativa, colocando esta como a base da criatividade e usando mapas conceituais como uma forma de organização e provocação para o pensamento. O artigo cita as concepções errôneas que muita gente tem sobre a razão pela qual existem diferentes estações em um ano e lembro que este foi um dos temas que trabalhei com minhas filhas quando eram pequenas. Lembro que o chute comum (também descrito no artigo) é o de que as estações têm a ver com a proximidade da Terra com o Sol, que vai por água abaixo quando lembramos que passamos o Natal sufocados pelo calor enquanto o Papai Noel entrega seus presentes em uma Nova Iorque coberta de neve. E Lajeado e Nova Iorque estão no mesmo planeta e, praticamente, à mesma distância do Sol. O fato é que as estações acontecem em função da variação do ângulo de rotação da Terra, que em uma parte do ano expõe mais um hemisfério, e em outra parte mais o outro, à radiação solar. Algumas vezes uma bola serviu de Terra e uma lâmpada serviu de Sol em nossas experiências sobre as estações do ano.

O mapa conceitual, abaixo, foi adaptado do artigo e mostra a linha de pensamento que leva às conclusões sobre as observações com relação às estações do ano. Ele foi feito com a ferramenta de desenho do Google Drive e poderia, facilmente, ter sido desenvolvido de forma colaborativa em sala de aula ou em um trabalho em grupo.

Depois das experiências com a bola e a lâmpada, fica mais fácil assistir a um vídeo e entender mais ainda o que acontece. Um dos que eu gosto é este da Casa das Ciências de Portugal:


Todo esse assunto veio à tona em função do trabalho de final de semestre da Ana Luiza, minha filha mais nova, que com seus colegas do curso de Engenharia Elétrica montaram um rádio. Começaram por um rádio de galena e construíram uma etapa de amplificação baseada nos vários circuitos disponibilizados pelo professor Newton C. Braga na antiga coleção "Experiências e Brincadeiras com Eletrônica". Eu tenho a plena certeza de que, por mais que tenham estudado a teoria, o que mais fixou os conceitos de rádio transmissão e recepção na memória dos jovens foi ter ouvido, pela primeira vez, em um fone de cristal o sinal sonoro de uma rádio próxima, em um aparelho construído por eles.

Não há nada de muito novo nisto que escrevi agora. Interesso-me pelos mecanismos de aprendizagem e criatividade e estou convencido de que é a experiência "tátil", real, a base para saltos mais altos na criação. O tátil e real podem, claro, vir de experiências com realidade aumentada, mas sobre isso falo mais em outra oportunidade.

Publicado originalmente no Dicas-L

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